terça-feira, 24 de maio de 2011

Resenha - "Eles não usam black tie"

O filme Eles não usam black tie é baseado na primeira peça, de mesmo nome, de Gianfrancesco Guarnieri, do ano de1958. A peça foi encenada pela primeira vez quando o movimento Cinema Novo começava a surgir, convocando a arte ao neo-realismo. Ao invés de personagens ricos e nobres, operários e moradores do morro subiam ao palco. Ali, em plenos anos 50, negros eram cidadãos comuns. A realidade brasileira estava ganhando espaço nas artes cênicas.

Ao ser adaptada para o cinema brasileiro, o filme tem como cenário a grande cidade de São Paulo dos anos 70, local que amparou grandes movimentos sociais.

A trama, que envolve família, sindicato, e industria, traça um perfil vivo do Brasil no processo de transição do regime ditatorial para o sistema capitalista. As marcas dessa transformação podem ser percebidas nos processos de trabalho, hábitos de consumo, poderes e práticas do Estado.

Para que o sistema permanecesse viável era necessário a fixação de preços e exercer controle suficiente sobre o emprego da força de trabalho – posicionamento esse, bastante evidenciado no filme. O espaço da fábrica era controlado a todo momento por vigias e polícias, os quais intervinham sempre que preciso, no intuito de manter a ordem caso esta fosse ameaçada. No entanto, o controle da força de trabalho estava também atrelado as ideologias que o sistema pregava. Instituições como a Igreja, a Escola e o Estado, buscavam reproduzir o modo de produção capitalista, despertando sentimentos sociais como: a ética do trabalho, lealdade aos companheiros e a busca de identidades através do trabalho. Era necessário forjar um tipo particular de trabalhador, o qual se adequasse ao novo tipo de sociedade democrata que emergia.

A fábrica simboliza o sistema capitalista, seu espaço é caracterizado pelas longas horas e rotinas de trabalho, pela obediência e disciplina do trabalhador. No entanto, o acumulo destes em fábricas de larga escala, traz consigo a ameaça de uma organização trabalhista mais forte e aumento da sua classe operária.

O filme fora retratado no ABC Paulista, palco dessa união de trabalhadores que, através de sindicatos, se organizaram e tomaram consciência enquanto classe social, na busca de melhores condições de trabalho e direitos trabalhistas.

Um dos protagonistas do filme, é o personagem Tião (filho do operário Otávio). Ele vive a incerteza de estar engajado no movimento operário, na busca do bem coletivo juntamente com seu pai e outros companheiros de luta, ou de renegar a tudo isso na busca de um futuro próspero e empreendedor.

O conhecimento passa a ter maior destaque no contexto, ele também é uma forma de despertar individualismos, poder de competição, que põe por terra o poder organizado da classe trabalhadora. Tião acaba sendo um fura greve, o movimento operário perde o controle, a intervenção do poder militar é inevitável, a repressão para manter a ordem deixa um rastro de tortura e a morte de um dos lideres do movimento de greve - a dor da perda de um grande companheiro sindical - faz ressurgir ainda mais forte a esperança e a vontade de continuar lutando por democracia, por melhores condições de trabalho e de vida.

Os personagens Tião, Maria (sua namorada e futura mãe de seu filho) e Otávio, representam a classe trabalhadora daquela época, presenciaram a transição de um regime ditatorial para um modo de acumulação flexível.

O filme traz a mensagem que, as frustrações de grupos e minorias excluídas, juntamente com a luta por melhores condições de vida, são de certa forma “alimento” que podem levar a mudança de regras e posicionamentos da classe dirigente.

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